A Árvore que Toca o Abismo

A Árvore que Toca o Abismo

“Uma árvore retorcida e anciã, com raízes expostas sobre um precipício. Seus galhos se estendem para um céu estrelado, enquanto raízes mergulham nas trevas.”

Referência à fala: “Quando olhais para o abismo, o abismo olha de volta.” A dualidade entre o desejo humano pelo transcendente e o medo do desconhecido.

A imagem da árvore retorcida sobre o precipício — raízes expostas às trevas, galhos almejando as estrelas — é uma das representações mais densas da filosofia de Nietzsche. Nela, condensam-se o cerne do pensamento de Zaratustra e o aviso contido na famosa sentença: 

 “Quando olhas longamente para um abismo, o abismo olha de volta para ti.” 

 Anatomia do Símbolo 

  1. A Árvore Anciã e Retorcida:

   – Representa a condição humana, marcada pelo tempo, sofrimento e contradições. Sua retorcedura fala de resistência: cresceu sob adversidades, adaptando-se sem perder sua essência. Não é uma árvore jovem e retilínea (idealizada), mas uma sobrevivente. 

  1. Raízes nas Trevas:

   – Mergulhadas no abismo, simbolizam o inconsciente, os instintos primordiais e a face sombria da existência. São a base oculta que sustenta a vida, por mais que a razão tente negá-la. Nietzsche lembra: “Tudo o que é profundo ama a máscara”. 

  1. Galhos no Céu Estrelado:

   – Expressam o desejo humano de transcendência: a busca por Deus, sentido cósmico, moral absoluta. Mas as estrelas são frias e distantes — ironicamente inalcançáveis. 

  1. O Precipício:

   – É o vazio existencial, o niilismo que surge quando velhas crenças desmoronam. Ficar à sua beira exige coragem para não cair na tentação do desespero ou da ilusão. 

 O Abismo que Olha de Volta 

A frase não é sobre o perigo externo, mas sobre o confronto com o próprio interior: 

– Quando buscamos respostas no “alto” (religião, ideais abstratos), somos forçados a encarar as profundezas que há em nós. 

– O abismo sou eu mesmo: minhas pulsões, medos e a ausência de sentidos prontos. Ignorar essa sombra é viver de máscaras. 

> “Quem luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. E se tu olhares muito tempo para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.” 

 — Além do Bem e do Mal, § 146 

 A Dualidade Humana em Raízes e Galhos 

A árvore captura a tensão fundamental do existir: 

| Raízes (Trevas)          | Galhos (Céu)               |  

|——————————|——————————–| 

| Instintos, sexualidade, morte | Espiritualidade, ideais, ética | 

| Caos                          | Ordem                          | 

| Terra (finito)                | Céu (infinito)                 | 

Para Nietzsche, negar qualquer polo é mutilar a vida: 

– Os que só olham para as estrelas (moralistas, ascetas) tornam-se inimigos do corpo. 

– Os que só veem o abismo (niilistas) perdem a capacidade de criar. 

A árvore não escolhe: ela abraça o paradoxo. Suas raízes nutrem os galhos; seus galhos dão sentido às raízes. 

 Zaratustra e a Árvore: Um Espelho 

No livro, Zaratustra diz: 

> “Eu sou um homem que caminha entre o futuro e o passado, como sobre uma corda bamba sobre o abismo.” 

A árvore é seu alter ego: 

– Enraizada na terra (aceitação da finitude), mas estendida para o além (vontade de superação). 

– Não teme o abismo — faz dele sua morada. 

 Relevância Contemporânea 

 

Hoje, a imagem ecoa em: 

– Ansiedades existenciais: O abismo são as perguntas sem resposta (“Por que viver?”, “Para onde vamos?”). 

– Cultura digital: Buscamos “estrelas” (likes, ideais virtuais) enquanto raízes (corpo, presença) definham. 

– Ecologia: A árvore lembra que pertencemos à terra (raízes), mesmo quando colonizamos o espaço (galhos). 

 Conclusão: A Sabedoria da Árvore 

A árvore sobre o abismo não é um aviso, mas um convite à coragem integral: 

  1. Olhe para o abismo (reconheça seus monstros interiores).
  2. Deixe que ele olhe para você (aceite que sombra e luz coexistem em você).
  3. Cresça apesar do precipício — porque a vida é arte entre raízes negras e estrelas impossíveis.

> “A grandeza do humano está em ser ponte, não meta: uma corda sobre o abismo, uma árvore que toca o céu sem deixar o inferno.” 

Essa é a lição que Nietzsche nos deixa: só somos completos quando habitamos o limite — onde o desejo do alto e o tremor do abismo se fundem na única verdade possível: viver perigosamente.

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