O NOSSO PRÓPRIO ABISMO

Há momentos na vida em que tudo parece desabar. O chão que antes parecia firme agora é instável, e o ar que antes respirávamos com naturalidade agora parece pesar em nossos pulmões como se fosse feito de chumbo. O mundo ao redor segue seu ritmo, as pessoas continuam suas rotinas, os carros seguem nas ruas, os relógios continuam girando, mas dentro de nós, há um silêncio ensurdecedor. Um buraco invisível que cresce, uma sensação de queda lenta, como se estivéssemos presos em um sonho ruim do qual não conseguimos acordar. Esse é o momento em que nos deparamos com o nosso próprio abismo.
Nietzsche dizia: “Quando você olha por muito tempo para o abismo, o abismo olha de volta para você.” E agora, talvez pela primeira vez na vida, você entende o peso real dessas palavras. O abismo não é apenas um lugar físico. Ele não é só sofrimento passageiro. Ele é um estado de espírito, um eco dentro da alma, uma força silenciosa que sussurra que você não vai conseguir sair dessa. O abismo é a soma de todas as suas dúvidas, os seus medos, as suas perdas, os fracassos que você tenta esconder, os amores que te feriram, os sonhos que você deixou morrer. Ele te olha nos olhos e diz: “Renda-se.”
E por alguns dias… talvez até semanas… você até pensa em obedecer. Você pensa em largar tudo. Em parar de lutar. Em aceitar que não vai dar certo. Em deixar a dor te consumir de vez. Há uma estranha sedução na ideia de desistir, como se o cansaço acumulado finalmente encontrasse um descanso… mesmo que esse descanso seja o próprio fim de si mesmo.
Mas é nesse instante, nesse fundo escuro e silencioso, que surge a primeira faísca de consciência. Pequena. Quase invisível. Uma pergunta sussurrada no meio da noite: “É só isso? É assim que termina?” E então, pela primeira vez, você percebe que o abismo te olha… mas ele também te desafia. Ele é o espelho mais cruel e mais honesto que você vai encontrar na vida. Ele te devolve exatamente o que você projeta. Se você entregar fraqueza, ele vai te dar mais escuridão. Mas se você ousar olhar de volta com coragem… ele vai abrir o espaço para que você se transforme.
Nietzsche também disse: “No fundo de todo abismo, há uma fonte de felicidade.” Parece contraditório. Parece loucura. Como pode haver felicidade no fundo de um sofrimento tão profundo? Como pode haver luz onde só há escuridão? Mas é justamente essa contradição que contém a chave. Porque o abismo, por mais assustador que seja, é também o lugar onde morre a sua versão antiga. A versão que tinha medo. Que carregava culpas. Que aceitava migalhas. Que fazia de tudo para ser aceito, mesmo ao custo da própria dignidade. Que se calava quando precisava gritar. Que cedia quando precisava lutar. Essa versão… ela precisa morrer aqui.
E talvez seja isso que você está vivendo agora. Uma morte simbólica. Uma queda que vai te obrigar a escolher: ou você se entrega ao vazio, ou você usa o que resta da sua força para se reconstruir. E quando essa reconstrução começar… ela não vai ser bonita. Não vai ser rápida. Não vai ser fácil. Você vai acordar em alguns dias e sentir que nada mudou. Vai olhar para o espelho e ver o mesmo rosto cansado. Vai ter recaídas. Vai sentir vontade de voltar atrás. Vai se sentir sozinho. Mas no meio de tudo isso… algo em você vai estar diferente. Pequeno, mas diferente.
Você vai começar a perceber que algumas coisas que antes te derrubavam… agora só te fazem balançar. Que algumas pessoas que antes tinham o poder de te destruir… agora só provocam silêncio dentro de você. Que algumas perdas que pareciam o fim… na verdade foram o início de algo muito maior. Porque o sofrimento… quando não te mata… te molda.
Você vai começar a olhar para trás e entender que cada queda teve um motivo. Que cada não recebido, cada rejeição, cada lágrima escondida, cada noite mal dormida… estavam te empurrando para esse momento. O momento em que você decide que não vai mais ser a vítima da sua história. O momento em que você para de procurar culpados e começa a escrever um novo capítulo. O momento em que você entende que ninguém vem te salvar. Que a vida não tem obrigação de ser justa. Que o mundo não vai parar pra te esperar. Mas que apesar de tudo isso… você pode levantar. Mais forte. Mais lúcido. Mais preparado.
O abismo vai continuar lá. Ele não desaparece. Ele vai estar sempre te observando, sempre esperando a próxima oportunidade de te puxar de volta. Mas agora… você aprendeu a dançar na beira dele. Você aprendeu a viver com a consciência de que cair é possível… mas se levantar também é. Que errar é humano… mas desistir é opcional. Que a dor é inevitável… mas o sofrimento prolongado é uma escolha.
Nietzsche chamava isso de amor fati. Amor ao destino. Aceitar tudo o que veio. Tudo o que foi. Tudo o que te quebrou. Porque foi exatamente isso que te trouxe até aqui. E agora… você carrega cicatrizes, sim. Mas elas contam a história de alguém que sobreviveu. De alguém que, quando encarou o abismo… decidiu olhar de volta, com os olhos de quem não desiste.
Então… da próxima vez que você sentir que está caindo, lembra disso: o fundo não é o fim. O fundo é o ponto de impulso. O fundo é onde você toma distância para subir de novo. E quando você subir… você vai ser outro. Um novo você. Mais consciente, mais forte, mais inteiro.
Olhe para o abismo… mas com a certeza de que ele nunca mais vai te engolir. Porque agora… você sabe quem é. E sabe que dentro de você existe uma força que nem o abismo… nem o mundo… nem ninguém… pode destruir.